TJMG: diagnóstico em face da publicação “Justiça em Números” do CNJ

02/11/2012 17:20

(Autoria: Vinicius Diniz e Almeida Ramos)

 

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) divulgou, recentemente, o documento “Justiça em Números”[1], onde aponta a situação do Poder Judiciário brasileiro. O documento traça uma análise dos tribunais pátrios, destacando diversas informações de interesse da população e que, de certo modo, tentam explicar as situações de calamidade por que passa a Justiça.

Como já era de se esperar, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais apresenta-se numa posição preocupante.

A meta de sentenças por magistrado no TJMG, para o ano de 2011, havia sido estabelecida em 2.000 (duas mil). Contudo, conforme apurado, esse número não passou de 1.041 (mil e quarenta e uma), ou seja, 92% abaixo da meta. Conforme consta do documento, “Entre os tribunais de grande porte – TJSP, TJRJ, TJRS e TJMG – apenas o TJMG ainda possui pontos a melhorar, sendo necessário aumentar em 92% o número de sentenças por magistrado [...] ou em 49% o total de processos baixados [...].”

Segundo dados do CNJ,  o TJMG apresenta 67% de eficiência relativa, contra 100% dos tribunais do Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e São Paulo. A taxa de congestionamento no Tribunal de Minas Gerais é de 69,8%. Por sua vez, o TJMG tem um total de 1.355 magistrados, ficando abaixo apenas do TJSP, que dispõe de 2.521 magistrados. Interessante observar que conforme o documento, em 2011, foram ajuizadas na Justiça mineira 1.727.444 novas ações, enquanto no TJRJ foram 2.434.027, no TJRS foram 1.865.826 e no TJSP foram 5.262.768 novas ações. Como se vê, dos quatro tribunais de grande porte do país, o de Minas Gerais foi o que teve menor número de novas ações; apesar disso, foi o que apresentou o pior índice de eficiência.

Quem vive o dia a dia forense – principalmente na Capital mas também no interior – sabe bem o que isso significa. A letargia do Poder Judiciário (e, em especial, o de Minas Gerais) coloca as partes litigantes em situação de angústia e incerteza. Em certos casos, a citação do réu chega a consumir seis, sete, oito meses, desde a distribuição da ação! Os pedidos, principalmente os relacionados à antecipação de tutela, são analisados de forma perfunctória, preferindo os magistrados o indeferimento à avaliação do pleito sob os auspícios da legislação e do bom senso.

Apenas para se ter uma ideia, até o presente momento (30/10/2012) o réu não foi citado numa ação de alimentos gravídicos, ajuizada em 23/07/2012 (quando a autora contava com três meses de gestação). Presume-se, portanto, que o deslinde da causa – muito provavelmente – será inútil, eis que ocorrerá após o nascimento da criança, obrigando ao ajuizamento de nova ação; desta vez de alimentos (não mais gravídicos, mas em benefício do menor recém nascido). Note-se que a Lei de Alimentos Gravídicos (Lei n.º 11.804, de 5 de novembro de 2008) visa, essencialmente, proteger a gestante e o nascituro; logo, deve (o verbo é “dever”) o Judiciário aplicar a lei e, para isso, por óbvio, há de decidir antes que o estado gravídico seja extinto pelo nascimento da criança.

Não menos absurda a situação de consumidora que, tendo pago mais de 50% do valor de um imóvel junto à construtora, aguarda desde janeiro de 2011 a entrega das chaves. Ajuizada ação em fevereiro de 2012, para solucionar o problema, até o presente momento o requerido sequer foi citado. Lá se vão mais de oito meses!

Mesmo caso de consumidora que ajuizou ação de revisão contratual em face de Banco e que, desde junho de 2011 (quando os autos foram conclusos ao magistrado), aguarda ansiosamente a sentença.

As situações absurdas são tantas que relata-las seria enfadonho!

Tudo isso, sem contar as sentenças incompletas e rasteiras prolatadas no bojo dos processos, o que obriga a parte prejudicada a interpor recursos, congestionando ainda mais o já congestionado Poder Judiciário.

Ora, já é pacífico o entendimento de que o acesso à justiça – preceito constitucional – significa não só manter as portas do Judiciário abertas, mas principalmente oferecer uma prestação de serviços célere e eficiente. As funções de pacificação social e de resolução de conflitos, intrínsecas à jurisdição, somente têm existência plena se acompanhadas da celeridade processual; caso contrário,  tornam-se fomentadoras de insegurança, discórdia e incerteza.

            A pacificação social – objetivo precípuo da atividade jurisdicional – exige posicionamento célere do Poder Judiciário para os conflitos que lhe são apresentados. Tanto é assim, que a EC 45/2004 fez acrescer, ao rol de direitos e garantias fundamentais, o inciso LXXVIII, do art. 5º, da Constituição da República, que prescreve:

 

“LXXVIII – a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade da sua tramitação.”

Gilmar Ferreira Mendes[2], Ministro do STF, explica:

A duração indefinida ou ilimitada do processo judicial afeta não apenas e de forma direta a ideia de proteção judicial efetiva, como compromete de modo decisivo a proteção da dignidade da pessoa humana, na medida em que permite a transformação do ser humano em objeto dos processos estatais.

[...]

Assim, tendo em vista a indissociabilidade entre proteção judicial efetiva e prestação jurisdicional em prazo razoável, e a ausência de autonomia desta última pretensão, é que julgamos pertinente tratar da questão relativa à duração indefinida ou desmesurada do processo no contexto da proteção judicial efetiva.

Silva Neto[3], cuidando do inciso LXXVIII, do art. 5º, da CR/88, aduz:

Em rigor, o direito individual não corresponde a autêntica inovação, porquanto a Convenção Interamericana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica) assentou no art. 8º, 1, que ‘toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem seus direitos e obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza”.

[...]

Trata-se, evidentemente, de um clamor nacional à conferência de efetividade à atividade judiciária.

A EC n.º 45/04 incorporou a ideia de que processo justo é aquele no qual se realiza a tutela judicial dos direitos fundamentais em duração razoável – sinônimo de prestação jurisdicional com eficácia útil.

Como se vê, a doutrina constitucionalista e civilista vem defendendo que justiça morosa é ausência de justiça! Para ser eficaz e cumprir seu papel de pacificação social, é imprescindível que a Justiça seja célere ou, pelo menos, que os processos não se arrastem de forma desmesurada e desarrazoada.

É preciso nos lembrarmos que nos primórdios da civilização inexistia um Estado capaz de impor o direito acima dos desejos individualistas. Imperava a autotutela: quem pretendesse alguma coisa que outrem o impedisse de obter, haveria de satisfazer sua pretensão com a própria força e na medida dela.

            Pouco a pouco o Estado se impôs aos indivíduos, tomando para si o dever de solucionar os conflitos e de dizer o direito. Surge a jurisdição. Grinover[4] explica que

Pela jurisdição, como se vê, os juízes agem em substituição às partes, que não podem fazer justiça com as próprias mãos (vedada a autodefesa); a elas, que não mais podem agir, resta a possibilidade de fazer agir, provocando o exercício da função jurisdicional.

[...]

A pacificação é o escopo magno da jurisdição e, por consequência, de todo o sistema processual (uma vez que todo ele pode ser definido como a disciplina jurídica da jurisdição e seu exercício). É um escopo social, uma vez que se relaciona com o resultado do exercício da jurisdição perante a sociedade e sobre a vida gregária dos seus membros e felicidade pessoal de cada um.

            Ao assumir a função de dizer o direito e de, com isso, solucionar os conflitos e alcançar a pacificação social, o Estado-Juiz se impôs um dever: o de agir com eficiência e celeridade, sem as quais não propiciará aos indivíduos a felicidade pessoal mencionada por Grinover.

            Assim como os Poderes Executivo e Legislativo vêm sendo alvo crescente do interesse e da participação da população, também o Judiciário há de sê-lo, eis que, assim como os dois anteriores, também se sustenta às custas dos tributos pagos pelos contribuintes.

Inaceitável nos depararmos com os números apresentados pelo CNJ e permanecermos inertes e acomodados. Mais do que simples levantamento estatístico, o Conselho Nacional de Justiça expôs a desestrutura do Poder Judiciário e o seu descaso para com os cidadãos.

O Tribunal de Justiça de Minas Gerais – especialmente – apresenta resultado vergonhoso e, ao mesmo tempo, assustador. Ao jurisdicionado, fica reservada a posição de vítima de um sistema caótico, embaçado, letárgico e que, ao invés de oferecer a pacificação social, promove a insegurança e a angústia, em face de processos que se arrastam indefinida e injustificadamente pelos corredores e labirintos da Justiça.



[2] MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional. 6.ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 444.

[3] SILVA NETO, Manoel Jorge e. Curso de direito constitucional. 6.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 744.

[4] GRINOVER, Ada Pellegrini. Teoria geral do processo. 22.ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2006. P.26-30.